Inveja e gratidão

Por Ale Esclapes1

Inveja é um sentimento que nos impede de ter acesso às coisas boas da vida. Ela é prima do orgulho. Juntos nos isolam das pessoas queridas, nos jogando em uma solidão muitas vezes insuportável. O invejoso não consegue reconhecer as coisas boas que outra pessoa pode dar, e muitas vezes responde com agressividade e destruição com aqueles que podem ajudá-lo, ou possuem algo que lhes dá admiração.

No fundo da inveja existe uma profunda baixa estima, encouraçada por um orgulho que visa a fornecer uma ilusão de onipotência. Essas pessoas se consideram as melhores, o que fazem geralmente é espetacular, e acreditam que tudo o que tocam viram ouro. São pessoas normalmente classificadas como orgulhosas, arrogantes, onipotentes, e ... solitárias.

Inveja é diferente de cobiça. Na inveja, por exemplo, deseja-se aquilo que o outro tem e que eu admiro, mas de uma maneira muito particular: se eu tenho uma roseira bonita, o invejoso deseja a MINHA roseira, ou deseja que a roseira MORRA, para ninguém tê-la. Aquele que cobiça, deseja ter UMA roseira, mas não a minha. De uma forma geral: o invejoso deseja aquilo que eu tenho de bom, ou destruir o que eu tenho de bom. Aquele que cobiça deseja algo igual ao que possuo, mas não exatamente o que possuo.

A gratidão, ao contrário da inveja, é um sentimento que permite que se tenha acesso às coisas boas do outro. Aquele que é grato reconhece no outro algo que falta em si, e nem por isso tem uma baixa estima. Muito pelo contrário. Feliz aquele que sabe suas faltas e sabe buscar isso no outro, mas não de uma forma destrutiva, mas como resultado das trocas normais de um relacionamento.

Quando nos relacionamos em sociedade, no trabalho, num namoro ou casamento buscamos que os outros nos complemente em nossas faltas básicas. Podemos nesse sentido entregar para o outro o fruto de nossos dons que podem cobrir a falta do outro, e o outro, da mesma forma conosco, tornando a vida mais feliz. Um exemplo simples seria um casal em que um é desorganizado e decidido, e o outro, organizado e indeciso. Juntando tudo, temos um bom casal, desde que haja respeito mútuo em relação às diferenças. Nesse caso pode aparecer a gratidão.

O invejoso não consegue isso, pois no caso do casal acima, não poderia haver troca. Caso o desorganizado seja o invejoso, esse procurará usufruir da organização do outro sem nada entregar em troca. E em uma ocasião muito comum, ele procurará exigir mais do que o outro pode dar. A partir daí ele pode anular tudo o que o outro tem de bom. Essas relações desagregam.

O mundo é um farto banquete a nossa disposição. Quando não conseguimos usufruir dessas coisas boas, a inveja muitas vezes é a vilã dessa situação.

¹Psicanalista, professor, escritor e diretor da Escola Paulista de Psicanálise-EPP e do Instituto Melanie Klein-IMK. Autor do Livro "A pobreza do Analista e outros trabalhos 1997-2015" e organizador da Coleção Transformações & Invariâncias.

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