To be or not to be...

Por Ale Esclapes1

Existe um perfil na clínica contemporânea envolvendo mulheres e homens com uma posição razoável nas empresas, entre trinta e quarenta e cinco anos, e que traz um profundo sofrimento. Para falarmos sobre esse perfil precisamos entender dois conceitos muito importantes na vida de uma pessoa:

a) Existe uma parte da pessoa que simplesmente “é” – e esse “ser” é algo singular e individual, é um “ser” que nos diferencia de todos os outros seres do planeta. São nossas potencialidades, nossos dons, etc ... Esse “ser” é algo muito escondido, e muitas vezes nem nós mesmos sabemos quem “somos”.

 

b) Existe uma outra parte que se relaciona com outras pessoas, com a sociedade, que tem que se relacionar com o chefe, a mãe, etc... Vamos chamar essa parte de “persona”. Esse nome é utilizado há muito tempo no teatro quase como um sinônimo de personagem. 

Existe um sofrimento muito comum nos dias de hoje no qual a persona torna-se maior que o “ser”. Nessa hora a pessoa não se sente “sendo” alguém, mas REPRESENTANDO alguém. Isso acaba trazendo um sofrimento muito grande, e que se manifesta na forma de um vazio existencial, de culpa, etc...

É muito comum hoje em dia a angústia trazida por pais que precisam trabalhar mais de doze horas por dia, fazer MBA, falar inglês, espanhol e mandarim (sic). A questão que esses pais trazem justamente é uma crise no “ser” pai, e não “representar” o papel de pai ou mãe. Isso porque primeiro não sobra tempo para “ser” pai, somente para, como numa peça de teatro que dura no máximo uma hora e meia, representar esse papel.

Nessa hora aparece a culpa por não “ser” pai ou mãe, ao mesmo tempo em que não se deseja abandonar a “persona” profissional. Quando esses pacientes narram o seu dia, e falam com certo orgulho que trabalham 12 horas ou mais por dia, imediatamente pergunto PARA QUE trabalhar tanto. A resposta clássica é: pela minha família ou meus filhos. A questão aqui é esses pacientes não têm tempo para ficar com suas famílias, logo volta-se a pergunta: PARA QUE trabalhar tanto mesmo?

Muitas vezes esse quadro envolve um luto que não se realiza, algo que ali esta mas que não permite que o “ser” possa se manifestar em toda a sua potencialidade: a “persona”. A pessoa sufoca o “ser” e muitas vezes cria cicatrizes profundas em pessoas que amam por não conseguirem abandonar uma “persona” profissional, que quando se olha bem de perto, não tem nada a ver com a família ou filhos, mas sim com sonhos, desejos, ambições, que advém disfarçados na “persona” de pai ou mãe.

Para que você trabalha mesmo?

¹Psicanalista, professor, escritor e diretor da Escola Paulista de Psicanálise-EPP e do Instituto Melanie Klein-IMK. Autor do Livro "A pobreza do Analista e outros trabalhos 1997-2015" e organizador da Coleção Transformações & Invariâncias.

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