A certeza como sinal de adoecimento psíquico

Por Ale Esclapes¹

Vivemos em um mundo incrivelmente complexo, onde cada aspecto da vida social e cultural é interconectado e multifacetado.

Como observou o filósofo francês Edgar Morin, a complexidade é um traço fundamental do mundo moderno, e é cada vez mais difícil lidar com essa complexidade à medida que a sociedade se torna cada vez mais interdependente. Nesse contexto, a certeza pode parecer uma opção atraente, já que simplifica a complexidade do mundo, mas é precisamente essa simplificação que pode levar a um adoecimento psíquico. 

Quando as pessoas têm certeza, elas não estão mais dispostas a aprender ou a serem criativas. Eles acreditam que já têm todas as respostas e, assim, fecham-se para a possibilidade de descobrir novas informações ou significados. A certeza é uma armadilha para a mente humana, pois impede que ela se expanda e cresça.  

A complexidade do mundo é infinita, e isso significa que há sempre algo mais a ser aprendido e descoberto. Como seres humanos, somos naturalmente curiosos e temos uma necessidade inata de aprender e descobrir coisas novas. Mas a certeza inibe esse processo de aprendizado infinito, impedindo que as pessoas encontrem novos significados e descubram novas maneiras de resolver problemas complexos. 

A complexidade do mundo também é o que nos permite ter uma variedade infinita de significados e culturas. Como disse o antropólogo Clifford Geertz, a cultura é "um sistema de símbolos significativos". Isso significa que a cultura é tão diversa quanto os significados que as pessoas atribuem a ela. A complexidade do mundo permite essa diversidade cultural, que é a base da criatividade humana.  

No entanto, quando as pessoas têm certeza, elas perdem a capacidade de criar e inovar. Eles acham que já têm todas as respostas e, assim, se tornam resistentes à mudança. Isso é especialmente verdadeiro na política, onde a certeza se tornou um novo tipo de adoecimento psíquico. A polarização política, onde a esquerda e a direita se tornaram certezas mortas (toda certeza é morta!), está dividindo amigos, famílias e a sociedade em geral.  

Essas certezas políticas estão se infiltrando em todos os aspectos da vida social, afetando a maneira como as pessoas aprendem, criam e interagem umas com as outras. Isso está causando um adoecimento de dentro para fora, não apenas no indivíduo, mas na sociedade como um todo. Precisamos reconhecer a importância da complexidade e do aprendizado infinito, e nos afastarmos das respostas simples que a certeza oferece. Afinal, é a incerteza e a complexidade do mundo que nos permitem crescer, inovar e nos tornarmos verdadeiramente seres humanos que respeitam o humano que habita em nós. 

¹Psicanalista, professor, escritor e diretor da Escola Paulista de Psicanálise-EPP e do Instituto Ékatus de Psicanálise. Autor do Livro "A pobreza do Analista e outros trabalhos 1997-2015" e organizador da Coleção Transformações & Invariâncias.

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