Close (Lukas Dhont) – Resenha de filme

Por Ale Esclapes¹

Toda obra de arte aponta para um lugar além do óbvio, além do sensível que se apresenta. Close é um desses casos que com maestria, nos brinda com um drama sobre saída da infância e entrada na juventude circunscrita aqui pelo elemento sexual presente nessa passagem.

Uma outra delicadeza do filme é conseguir colocar outros elementos tão difíceis de abordar como amizade, culpa, suicídio de forma que cada espectador possa abordar o filme por um desses eixos, dado ao equilíbrio entre os temas. 

Leo e Remi são melhores amigos apresentados em um estado de “pura inocência”.  Brincam juntos, dormem juntos, não se desgrudam. Aqui o roteiro já coloca o espectador em uma posição única: entre admirar a pureza da uma relação de amizade entre dois garotos e saber que ainda que esses não “saibam”, dormir junto em conchinha em pouco tempo terá um significado diferente do que tem ali apresentado, ou, já desperta na imaginação do expectador que esses serão um futuro casal.  

Eis que Leo é confrontado com a pergunta: “vocês são namorados”? Uma cesura se cria que vagamente tende à uma cisão. A partir desse ponto o vai deixando lacunas e conclamando cada vez mais o espectador a fazer parte do filme, para que este o signifique. Leo começa a afastar-se de Remi, jogar bola e hóquei com outros garotos, e se enturmar como é típico da adolescência. Mas não é um movimento qualquer, ele vem a partir da pergunta: “vocês são namorados”. Não fosse a pergunta, ambos poderiam seguir o mesmo rumo, mas não ... Leo faz o caminho também para se afastar de Remi. O que teme Leo? Remi pelo seu lado não entende o que se passa, tenta se reaproximar, sempre sem sucesso.  

Nesse ponto o roteiro introduz um outro tema (atenção, perigo de spoiler). Remi se suicida. Novamente o filme convoca o espectador para preencher uma lacuna. Foi por causa do afastamento de Leo? De qualquer forma Leo acredita que sim. Se antes tinha que dar conta do elemento sexual que se introduziu na relação com seu melhor amigo, o afastamento, uma eventual culpa por esse afastamento, a perda da inocência ... agora tem que dar conta de se sentir culpado pelo suicídio do melhor amigo. Esse enfim passa a ser o grande enredo do filme.  

O diretor e roteirista Lukas Dhont nos propõe um olhar sensível e complexo sobre essa passagem tão dramática na vida de todos nós: a passagem da infância que aqui quer dizer uma forma específica de relação consigo e com o outro, para a adolescência, com a introdução do elemento sexual que muda toda essa estrutura já montada. Essa passagem não é fácil, é dolorosa, pois se perde o lugar no mundo, e é uma tarefa indelegável.  Um filme sensível, muito bem construído, que convoca o espectador o tempo todo a significá-lo deixando lacunas (o que temia Leo? o que ele realmente sentia por Remi?) e que toca em temas muito difíceis com maestria.  

¹Psicanalista, professor, escritor e diretor da Escola Paulista de Psicanálise-EPP e do Instituto Ékatus de Psicanálise. Autor do Livro "A pobreza do Analista e outros trabalhos 1997-2015" e organizador da Coleção Transformações & Invariâncias.

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